quarta-feira, 25 de maio de 2011

Gottfried Helnwein, nazismo e cultura pop

Faz tempo que não posto! Finalmente, as coisas estão mais calmas, mas tirei esse tempo pra terminar meu artigo pra Universidade de Viena e para finalizar algumas coisas do meu TCC, que tem a primeira banca agora dia 6 de junho. Enfim... Resolvi compartilhar um trabalho de fotografia que fiz pra Faculdade sobre o fotógrafo vienense (coincidência ele ser do mesmo lugar que a Nachtmahr), Gottfried Helnwein. Provavelmente vocês devem conhecê-lo dos trabalhos que fez com Marilyn Manson e Rammstein, mas não foco nisso durante meu texto...

Espero que curtam, porque pretendo reforçar esse tema e transformar num projeto de mestrado em semiótica na PUC-SP. :)

O Murmúrio dos Inocentes
Gottfried Helnwein, nazismo e cultura pop
“A Tear on a Journey” (1987), autoretrato de Gottfried Helnwein


Gottfried Helnwein nasceu em Viena, Áustria, no ano de 1948. Considerado um dos artistas germânicos mais polêmicos após a Segunda Guerra Mundial, sua obra é composta por imagens hiper-realistas, sejam em forma de fotografia, mixed-media (formatos misturados) ou pintura em tela. Expostos em galerias de arte e em painéis gigantes em países como a Irlanda, os trabalhos do austríaco são, majoritariamente, compostos por crianças e elementos relacionados ao nacional socialismo. Essa união representa uma metáfora da relação entre a vítima e o mau, o fraco e o forte:

“Privadas uma por uma de seus privilégios, direitos, sustentação e, finalmente, integridade corporal, as vítimas do nazismo eram sujeitas ao que Christopher Bollas chamou de ‘uma radical e catastrófica infantilização’.” (O’DONOGHUE, 2008)

Helnwein ainda costuma adequar a esses elementos outras características que fazem ponte com a religião ou a cultura pop. Sua atitude acaba, muitas vezes, provocando reações violentas por parte do público. Em 2001, numa exibição no Kilkenny Arts Festival, na Irlanda, o conselho da cidade propôs expor as obras na prefeitura da cidade, mas a população protestou a sugestão por meio dos jornais e em ligações para a rádio local. Inclusive, durante a exposição, dois trabalhos foram vandalizados, mas Helnwein acredita que toda reação à sua arte é importante. Segundo ZAWREL (1999, p.12), “a relevância do assunto é a repressão ao grande trauma do nosso século – o Nacional Socialismo, a cumplicidade das pessoas nele e suas conseqüências.” (apud O’DONOGHUE, 2008).

Desde 1970, Helnwein tem o abuso, a dor e a violência como mote. Em entrevista para a TRUCE Magazine, em dezembro de 2008, o artista assumiu que se envolveu com temas violentos muito cedo, especialmente tratando-se de crianças. Nessa mesma ocasião, Helnwein indicou: “No curso de minha pesquisa, eu vi fotografias forenses de crianças que eram agredidas e torturadas até a morte – principalmente por parentes próximos.” Nas décadas de 1960 e 1970, o fotógrafo não encontrava esse tipo de assunto circulando pela mídia, por isso suas primeiras pinturas de crianças enfaixadas causaram furor na Áustria, que nomeou seu trabalho como “arte degenerada” – ou entarte kunst, movimento artístico cultivado durante o Terceiro Reich e a União Soviética.


Arte degenerada


Na esquerda, um cartaz para uma exposição de “Entartete Kunst” (arte degenerada); na direita, “God as Baron I”, de Gottfried Helnwein (1987)

Com a criação do Ministério da Propaganda, em 1933, comandado por Josef Goebbels, Adolf Hitler mantinha uma produção de filmes, mídia e arte voltada para o nazismo. A Câmara de Arte Visual (Reichskammer dur Bildenden Künste) era responsável por analisar quais pinturas, esculturas e outras obras faziam apologia ao nacional socialismo. No entanto, aquelas que não se enquadravam nessa condição eram consideradas parte da “arte degenerada”. Por isso, segundo BARRON (1991), cerca de seis mil trabalhos foram deslocados para museus e coleções privadas. (apud HOBBS, 2006).

O termo degenerado teve como inspiração Max Nordau, autor do livro Entartung (Degeneração), publicado em 1892. O título emprestou das ciências biológicas a palavra que passou a descrever a mente e os cérebros dos artistas modernos, uma vez que o mundo contemporâneo a estes infectou suas mentes a ponto de fazê-los menos humanos. (BARRON, 1991) Os conceitos foram bem vistos pelo nazismo, especialmente quando transpostos para a questão racial. De acordo com HUBBS (2006), enquanto o Dadaísmo, Expressionismo, Bolchevismo e Zionismo adotaram as filosofias degeneradas como uma manifestação da deformidade física, o nazismo ganhou muito mais poder para eliminar dissidentes.

O cantor Marilyn Manson frente às suas fotografias feitas por Gottfried Helnwein, da série The Golden Age (2002-2003)

Um exemplo de arte degenerada feita por Helnwein são as fotos com o músico americano Marilyn Manson. O artista, no período em que trabalhou no álbum The Golden Age of Grotesque (2003), voltou-se para temáticas da década de 1930, especificamente para a República de Weimar e a Alemanha pré-nazista. Manson se voltou para os artistas “degenerados”, reforçando sua abordagem sobre a batalha travada entre a expressão e a censura.

Na imagem acima, o americano recorda os artistas Cara Preta do Vaudeville, quando atores brancos se pintavam em preto para representar personagens negros no teatro, mantendo, no entanto, uma elipse branca ao redor da boca e círculos nos olhos. 


“O fato de Manson estar caracterizado numa Cara Preta é mais representativo que sua arte ser considerada ‘degenerada’ pelo julgamento da sociedade. Assim como a cultura negra foi considerada ‘degenerada’ e forçada à diminuição pela servidão através da história americana, ela também abraçou a cultura branca simultaneamente. Assim como hoje, quando 70% dos consumidores de rap, um fenômeno das ruas e da cultura negra, são jovens brancos de classe média. A dicotomia da fascinação e demonização.” (KUSHNER, 2004)


Assim como a cultura negra foi tratada como degenerada nos Estados Unidos, no Terceiro Reich e na União Soviética, a entarte kunst, segundo YOUNG (2000) era ocultada para que tanto o Terceiro Reich quanto a União Soviética mantivessem públicas as manifestações artísticas “que refletissem seus ideais da pura raça ariana ou da solidariedade operária. Nessa união com os dois regimes totalitários gigantes desse século, a credibilidade dos monumentos como locais públicos de memória foi ainda mais corrompida.” (apud O’DONOGHUE, 2004)

Cultura pop




Em entrevista para a Start Magazine (2004), Helnwein contou o motivo de nomear sua infância como “o horror”. Segundo ele, quando criança, ele nunca via as pessoas felizes, sorrindo ou cantando. Nascido após o fim da Segunda Guerra Mundial, o fotógrafo cresceu numa Viena depressiva em que “todos pareciam estar em uma profunda tristeza – tudo era pesado e mortalmente sério.” Suas imagens mentais foram resumidas como “ruas vazias, igrejas escuras e frias com imagens de santos torturados, ruínas de casas bombardeadas, ferrugem, pedregulhos, nenhuma cor, nenhum som.” Isso é transposto à maioria de suas imagens, em que os fundos escuros são iluminados em tons frios, geralmente um foco de luz azul que contamina toda a paleta da fotografia.


Nessa mesma oportunidade, Helnwein relembra como seus pais e toda a geração austríaca e européia, num geral, foi contaminada pela cultura pop americana:
“Havia um enorme vazio porque os nazistas haviam destruído e suprimido todas as formas livres de expressão e arte. Museus eram saqueados, livros eram queimados e qualquer pessoa criativa ou visionária era morta ou exilada. Mil anos de cultura judaica foram eliminadas da face da Terra. Foi o triunfo final da estupidez e mediocridade. O que conseqüentemente levou à destruição total: bombas esmagaram cidades inteiras – Dresden, Cologne, Hamburgo, Berlim etc – igrejas góticas, palácios barrocos, museus, bibliotecas, casas de ópera – a maioria foi transformada em destroços e cinzas. Uma era da grande arte e arquitetura foi transformada em pó. Havia tanto silêncio e tanto vazio, quando a guerra terminou. Todos estavam tentando se livrar do passado rapidamente – enterrar tudo – suas histórias, suas identidades e suas memórias. A geração dos nossos pais era, espiritualmente, um tipo de morto. E dentro desse vácuo de nossa infância, a América jorrou Coca Cola, jeans, carros que pareciam naves espaciais, filmes, histórias em quadrinhos e rock’n’roll. A América apresentou um mundo mítico de maravilhas modernas e milagres. Havia belos anjos rebeldes como Elvis, Jimmy Dean, Brando e garotas de beleza desigual – coisas que nós nunca havíamos visto antes no nosso chamado mundo real. E, para mim e para muitos de meus amigos, isso foi também um encontro com um homem que provavelmente é nossa maior inspiração: Pato Donald. O impacto desse choque cultural foi enorme.” (MAHER, 2004)


E esse apreço pelo Pato Donald foi confirmado também em MÄCKLER (1992), quando Helnwein declarou que, por vários motivos, o personagem de Walt Disney seria “a maior obra de arte da história da humanidade”.
 “Se você olhar para o desenvolvimento do Ocidente, nós podemos ver que se trata de uma área exclusivamente voltada para o ideal de beleza clássica dos gregos. Picasso e Walt Disney quebraram com o ideal de beleza ou o ideal humano – de formas bem diferentes. Isso foi o fim dessa eterna e repetitiva imitação do ideal humano clássico. E a conclusão disso é o Pato Donald. Ele, para mim, é a anunciação, a idéia de uma nova era, algo que é realmente novo e criado livremente, não uma imagem da chamada realidade, mas uma verdadeira criação no sentido puro da palavra, um ser que se fosse criado anteriormente não seria nem permitido. Walt Disney é, sem dúvidas, o grande gênio do século 20, um Leonardo da Vinci reencarnado que retornou mais maduro e grandioso para construir a mais poderosa obra de arte de todos os tempos. Seu império estético mudou a face deste mundo. As gigantes instalações da Disney World são maiores do que todos os projetos de Cristo, as pirâmides e Versalhes juntos, e é especialmente divertido.” (MÄCKLER, 1992, p.173)


 Pinturas em tela (acrílico e óleo): L.A. Confidential (Cops II) e American Prayer- ambos da série The American Paintings (2000)

O mesmo acontece com as telas em que Helnwein pintou crianças que fotografou ao lado de anime figures, estatuetas de personagens de desenho animado japonês. Provavelmente isso concorda com teses como a defendida por Richard Kelts, em Japanamerica: How Japanese Pop Culture has Invaded the U.S. (Palgrave Macmillan, 2006). Nesta obra, o autor assume que o Japão se reencarnou, no século 21, na América, não mais como um país da manufatura – posto que a China ocupa atualmente –, mas como um país cool que produz vídeo games, culinária, música, moda, quadrinhos e animações.
 “O gigantesco sucesso de Pokémon é, tal qual o sushi, uma revelação singular, parcialmente graças à ubiqüidade do Pikachu, o mascote amarelo brilhante e de olhos redondos pertencente à série. Diferentemente dos ícones da Disney, como Mickey, Donald, Dumbo ou Nemo, um rato, pato, elefante e um peixe-palhaço, respectivamente, ou o Zé Colméia da Hanna Barbera, Pikachu é uma representação animada de nada que precisamente existe no nosso mundo físico, introduzindo aos americanos apenas um aspecto da criatividade livre presente na cultura pop japonesa. (...) Os produtores de Pokémon foram capazes de criar o que é tido como a multimilionária franquia Pokémon: videogames, anime, mangá – e as séries de cartas de jogo que sempre se proliferam.” (KELTS, 2006, p.17)

E assim como esses personagens fazem parte do imaginário infantil, Helnwein usa justamente esse público como objeto de suas composições.

The Disasters of War 6 (2007), pintura em tela, mixed-media (óleo e acrílico). A boneca usada é da personagem Rei Ayanami, de Neon Genesis Evangelion

Crianças e nazismo


Helnwein começou a pintar crianças porque queria tomar o lado delas, como pessoas frágeis que são abusadas, estupradas, escravizadas e até mortas por adultos – os mais fortes. “Eu nunca entendi porque algumas pessoas parecem se divertir causando dor a alguém menor”, disse ele em MAHER (2004). A partir disso e de outras constatações feitas pelo artista, em diversas entrevistas, entende-se que o austríaco traz muito de sua inspiração não apenas das crianças em si, mas de sua infância. Assim como em YOUNG (2000) ele relembra seus primeiros anos e a imagem e sensação de uma Viena pós-guerra, ele reforça o sentimento:
“Quando eu achei fotografias do meu pai, meu avô e meus tios, todos em uniformes do exército de Hitler, eu comecei a fazer perguntas. Infelizmente, eu estava falando ou numa língua errada ou eles também sofreram amnésia, porque eu nunca tinha respostas. Mas eu era uma criança muito insistente e nunca desisti de perguntar, apesar disso nunca me levar a lugar nenhum.” (YASO, 2003)


Aos 18 anos, Helnwein decidiu se tornar um artista e começou a pintar. Sem se preocupar com técnicas ou estilos, ele passou a formular as mesmas perguntas e desenvolver seu próprio método.
“Eu estava surpreso ao entender que, de repente, eu parecia estar em posse de uma linguagem mágica e superior, capaz de atravessar tudo e atingir profundamente o coração das pessoas, movendo-as e tocando-as. E para minha surpresa, essa nação de mudos começou a falar, a responder. Repentinamente, encontrei-me num diálogo muito forte com uma crescente quantidade de pessoas. Isso nunca parou e passou a ser um momento e destino da minha vida.” (Idem) 
The Murmur of the Innocents 12 (2009), mixed-media (óleo e acrílico em tela)


Ou seja, através da sua arte – seja na fotografia ou na pintura –, Helnwein busca a discussão, quebrando o silêncio das pessoas mesmo que isso signifique expor crianças armadas e mutiladas ou personagens infantis em cenas do cotidiano violento. Assim como dito no início deste artigo, o austríaco não se importa com a represália, porque busca, acima de tudo, a reação que não conseguiu enquanto criança, numa Áustria silenciada pelos vestígios da guerra e pela vergonha.




BIBLIOGRAFIA

Gottfried Helnwein. <http://www.helnwein.com> (Acesso em 25 de maio de 2011)

BARRON, Stephanie. Degenerate Art: The Fate of the Avant-Garde in Nazi Germany. Nova Iorque: Harry N. Abrams, 2001

HOBBS, Matthew. Entarte Kunst: Modern Art & The Nazi Regime. 2006. Disponível em: <http://mason.gmu.edu/~mhobbs/entartetekunst/overview.htm> (Acesso em 6 de abril de 2011)

JERMANN, Stefan. Stefan Jermann talks with Gottfried Helnwein. Truce Magazine, dezembro de 2008. Zurique: 2008. Disponível em: http://www.gottfriedhelnwein.ie/presse/interviews/artikel_3722.html (Acesso em 6 de abril de 2001)

KELTS, Richard. Japanamerica: How Japanese Pop Culture has Invaded the U.S. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2006

KUSHNER, Nick. The Nachtkabarett. 2004. Disponível em:
< http://www.nachtkabarett.com> (Acesso em 6 de abril de 2011)

MAHER, Brendan. Interview with Gottfried Helnwein. Start Magazine: Arts and Culture of the South East. Edição Novembro 2004. Irlanda. Disponível em: <http://www.gottfried-helnwein-interview.com/brendan_maher.html> (Acesso em 22 de abril de 2011)

MÄCKLER, Andreas. Malerei muß sein wie Rockmusik. Gottfried Helnwein im Gespräch mit Andreas Mäckler. Munique: Verlag C.H. Beck, 1992

O'DONOGHUE, Katy. Memorialising the Holocaust. 2008. Disponível em www.gottfried-helnwein-essays.com/Dissertation.htm#_ftn3 (Acesso em 6 de abril de 2001)

KONNO, Yuichi. Yuichi Konno Talks with Gottfried Helnwein. Yaso, Setembro de 2003. Japão. Disponível em: <http://www.gottfried-helnwein-interviews.com/interviews/YUICHI%20KONNO%20TALKS%20WITH%20GOTTFRIED%20HELNWEIN.html> (Acesso em 23 de abril de 2011)

YOUNG, James E. At Memory’s Edge: After Images of the Holocaust in Contemporary Art and Architecture. New Haven and London: Yale University Press, 2000

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Fascismo e erotismo - parte II



Conheci um belga que tem me ajudado com alguns links pra pesquisa. Ele me mandou o site do fotógrafo que fez algumas das fotos que eu coloquei no último post. Dêem uma olhada no link do estúdio Nightshadow.

Mandei uma mensagem para ele, perguntando se rolaria uma entrevista. Vamos ver!